As casinhas da infância

Por Joyce Barsotti Cunha

- junho de 2020 -

Quem é que não se lembra dos clubinhos dos quais fizemos parte? Nos reunirmos em grupos é algo natural em qualquer idade, tanto nas gerações passadas como nas atuais.


Seja por ter interesses parecidos, por frequentar as mesmas aulas ou simplesmente por morar no mesmo bairro, o fato é que os grupos sempre se formam, e são uma parte importante da nossa infância e juventude.


Vivemos na pele as desavenças e as irritações causadas pelo gênero oposto, ou por um grupo rival de BFFs, e sobrevivemos a todas elas. E agora (re)vivemos tudo de novo, por meio de nossos filhos. E isso parece causar uma dor ainda maior.




Formamos grupos de todos os tipos e por motivos variados, desde sempre.


Imagem: filme "Os Goonies"


A coisa veio de supetão: “Desistimos da nossa casinha, porque os meninos ficavam roubando todas as nossas coisas”. E o coração da mãe dói, sofre pela frustração da cria.


Tudo começou há algumas semanas, logo que começou o relaxamento da quarentena. A ideia surgiu, e rapidamente algumas amigas começaram o trabalho. Juntaram madeira, pediram pedaços de corda emprestados, entravam e saíam de casa juntando tudo que pudesse ser transformado no pedacinho de sonho que haviam imaginado. A campainha tocava todos os dias, logo cedo, e lá iam elas munidas de martelo e pregos para mais uma empreitada. Não demorou para que outros grupos copiassem a ideia e a coisa toda virasse uma grande competição. Cada um querendo que a sua casinha fosse a mais divertida e bem-equipada.


Que fique claro: Ninguém construiu uma casa de verdade. O que cada grupo fez foi encontrar um cantinho, todos em uma mesma clareira, para montar a sua casinha. Uma ganhou um balanço. A outra ganhou uma mesa com cadeiras e até uma churrasqueira.


Um dia, minha pituca quis me levar até lá pra ver. Fomos de bicicleta. Lá ela me mostrou, toda orgulhosa, o que tinham construído. Era possível ver o carinho e o capricho em cada detalhe. Quis também me mostrar a casinha de outro grupo, mas fez questão de dizer que precisaríamos ver rápido e sem tocar em nada, porque não era permitido que um grupo entrasse na casinha do outro.


Mais tarde, quis também que o pai e o irmão fossem até lá para conhecer. Não cabia em si de tanto orgulho pelo que havia construído.


A euforia durou vários dias. Semanas. Saíam já cedo para trabalhar, apareciam algumas vezes durante o dia para buscar algo e comer alguma coisa, e lá iam elas de novo.


Acho que senti mais que ela pela perda da casinha. Ela superou rápido, mas eu fiquei com aquilo remoendo dentro de mim.


“Como podem ter roubado as coisas que elas construíram com tanto capricho?”


“Não é justo! Preciso fazer alguma coisa!”



Mas o fato é que não há nada que eu possa fazer. Como profissional, sei que a dor e a frustração são necessárias a um processo de crescimento saudável. Como mãe, fico com vontade de tocar a campainha de algumas casas e tirar satisfações.


Criar filhos é isso. É saber lidar com as próprias dores e frustrações. É descobrir que a nossa criança interior também precisa ser cuidada e nutrida para sempre, se quisermos estar sãos o suficiente para servir de apoio nos momentos necessários, mas sem nos apropriarmos das dores deles.


Difícil. Ainda preciso respirar fundo algumas vezes e contar até dez para conseguir consolar, sorrir e incentivar o início de um novo projeto.


Joyce Barsotti Cunha

Psicóloga, Pedagoga e apaixonada pelo mundo da Educação. Fundadora da myJoy Academy.