Mediando conflitos dos filhos

(uma forma de não enlouquecer com as brigas em casa)

Por Joyce Barsotti Cunha

- junho de 2019 -

Um dos meus maiores perrengues como mãe são as brigas das crianças. Elas brigam por causa do lugar na janela do carro, pelo filme que vão assistir na TV, pelo último pedaço de brócolis e por qualquer outra bobagem. E eu sempre fui meio cabeça dura, daquelas de escolher os caminhos mais difíceis. Poderia resolver muitos problemas colocando, por exemplo, um aparelho de TV no quarto de cada um, mas até hoje temos apenas uma TV em casa, e somos cinco para chegar a um consenso sobre o que assistir.


O fato é que a coisa às vezes toma proporções absurdas e parece que um meteoro caiu bem no meio da sala. Lidar com essas situações desestrutura qualquer um, e foi por isso que resolvi dividir com você uma maneira eficaz de agir nesses momentos.


Não estou aqui para vir com receitas prontas de família de comercial de margarina, do tipo: converse controlando o tom, imponha limites sem ofender ou seja justo sem levar em conta a idade. Primeiro porque tudo isso já é meio que senso comum. Segundo, porque me coloco no papel de uma mãe real, que às vezes também tem vontade de afogar no tanque as lindas criaturas que eu trouxe ao mundo.


Se lidar com filhos não é fácil, imagine trigêmeos! A solução que o artista plástico Jake White encontrou para acabar com as disputas por causa de lanches foi colocar divisórias entre as cadeirinhas do carro. É uma medida pontual e criativa, que resolve o problema neste momento, mesmo que não esteja ensinando as crianças a lidarem com os conflitos a longo prazo. Às vezes, se algo trouxe paz, mesmo que momentânea, tá valendo!


Foto: Reprodução da Internet


Enfim, em primeiro lugar, é preciso admitir que não há relação perfeita. Por mais que a gente sonhe com uma convivência pacífica, de amor e carinho 100% do tempo, dificilmente é o que acontece na vida real. Não importam a cultura, o status social, a religião ou a estrutura familiar. Irmãos brigam. Quem tem mais de um filho sabe disso. E também sabe que às vezes a gente se sente como árbitro. Quando a briga ou a discussão começam, a gente tem duas opções: meter-se no assunto ou deixar que eles resolvam por si mesmos. Qualquer que seja a escolha, em pouco tempo eles estarão brigando novamente, seja pelo mesmo ou por qualquer outro motivo.


É preciso buscar uma solução de longo prazo mais eficaz, tanto pelo bem dos nossos pequenos, como pela nossa própria sanidade mental. Todo mundo quer que seus filhos se deem bem e estejam próximos um do outro durante toda a infância e até a idade adulta. Sem contar que também é sempre bom ter alguma paz em casa.


Os especialistas são unânimes em dizer que as crianças devem aprender a resolver os seus próprios problemas. Eu concordo, mas acredito que é preciso ensiná-las a fazer isso. O método da tentativa e erro até funciona, mas pode demorar anos-luz até que elas aprendam por si mesmas. Portanto, é preciso ajudar as crianças a mediarem seus próprios argumentos. E eu não vou mentir pra vocês: é algo que consome tempo e energia, exige paciência e dá um trabalho danado.




Mas como baixar o apito do árbitro e entrar no papel de mediador? Antes de tudo, respire fundo algumas vezes para conter o impulso de dar aquele berro que pode assustar até o vizinho. Conte até 100 e depois de trás para frente até ter certeza de estar zen o suficiente para não botar fogo na casa quando te fizerem sair do sério. Agora, dá pra começar imaginando uma sala de conferências onde todos se sentam ao redor de uma longa mesa para expressar suas mágoas e fazer um brainstorm de soluções. Não vai ser exatamente assim, mas já deu pra ter uma ideia. A partir daí, alguns passos são necessários:


Definir as regras básicas

Até é possível fazer isso com antecedência, mas de qualquer forma eles precisarão de um lembrete nas primeiras vezes em que você conduzir a mediação. Eu sugiro começar com: “Sem interrupções”, “Sem palavras ofensivas” e “Sem gritar”, mas outras regras podem ser definidas, conforme a necessidade e o perfil da família. E lembre-se de que é preciso repetir as regras sempre que necessário.


Alternar fala e escuta

Esse é o momento de cada um expressar as suas mágoas de forma direta e sem que haja bate-boca. Cada criança deve ter a chance de dizer o que realmente deseja que a outra criança saiba, por exemplo: “Eu gostaria que você batesse na porta antes de entrar no meu quarto” ou “Eu não quero assistir a esse programa de TV”. A outra criança ouve e repete de volta o que ouviu do irmão, e então os papéis se invertem: a primeira criança escuta e repete o que a outra falou. Pode haver várias rodadas se as queixas forem muitas.


Discutir possíveis soluções

No início pode ser difícil. Eles podem estar resistentes e se recusarem a encontrar caminhos, ou então sugerirem algo inviável. Até que eles aprendam, provavelmente será preciso sugerir algumas ideias. Um passeio de balão, por exemplo, pode ser divertido e ajudar a acalmar os ânimos, mas talvez não seja muito prático. Então, quando eles apontarem uma solução, você pode ajudá-los a verificar se é algo realista. Se preciso, pode incentivá-los a cavar mais fundo para encontrar um caminho que seja bom para ambos. Se eles estiverem discutindo sobre o que assistir na TV, eles podem concordar em assistir a mais meia hora do que já tinha começado e depois a outra criança escolhe algo para assistir por meia hora também. Ou eles mudam de canal imediatamente e o primeiro filho escolhe primeiro no dia seguinte.


Ao envolver os filhos em ouvir uns aos outros e criar suas próprias soluções, a gente diminui tanto a sensação de desamparo que eles sentem por não saber como resolver as coisas, como a de impotência, já que, quando o pai ou a mãe atuam como juiz do conflito, mesmo tendo boa intenção, as crianças sentem que não têm escolha sobre como as coisas acontecem. Afinal, sejamos sinceros: nem sempre a gente ouve igualmente os dois lados e faz uma escolha imparcial. Sempre que fazemos um juízo de valor, um ou outro acaba sendo beneficiado, e às vezes de maneira injusta.





As brigas nunca vão acabar de vez, mas é possível ajudar as crianças a lidarem melhor com os conflitos.


Dica importante: tenha sempre um plano B


Claro, isso simplesmente não vai funcionar todas as vezes. Nem sempre as crianças estão no modo de solução de problemas. Às vezes, mesmo com toda essa psicologia, a coisa não rola. As crianças podem não estar afim, ou você pode não estar nos melhores dias, simplesmente sem paciência para conduzir todo o processo. Nesses casos, uma alternativa mais simples e rápida será sempre bem-vinda.


O plano B pode ser um sorteio, ou um “pedra-papel-tesoura” para determinar quem acaba conseguindo o que quer. É um último recurso, mas é justo porque é aleatório e é aleatório o suficiente para motivá-los a tentar se comprometer primeiro, mesmo que sem a nossa ajuda.


Com o tempo, com paciência e consistência, os irmãos devem começar a controlar mais seus temperamentos, aumentar o nível de tolerância e colaborar mais uns com os outros, com menos intervenção dos pais. O objetivo final é que eles consigam resolver os próprios conflitos o quanto antes, sem que a gente precise fazer nenhum esforço. Mesmo que demore um pouco e dê um certo trabalho, pensar que toda a gritaria, o empurra-empurra, a raiva e o choro vão diminuir é uma recompensa e tanto, certo? ;)


Joyce Barsotti Cunha

Psicóloga, Pedagoga e apaixonada pelo mundo da Educação. Fundadora da myJoy Academy.