A pele que habitamos
Vamos conversar sobre o seu projeto?
A pele que habitamos
Por Joyce Barsotti Cunha
- dezembro de 2022 -
Marquei um dia pra gente no spa!
Fiquei radiante. Eu, que nunca tinha ido a um spa na vida, me senti chique.
O aniversário era dela, mas quem estava ganhando o presente era eu. Isso é que é amiga! ♥️
Dois dias antes da data marcada, chega uma mensagem dela.
Estava aqui lendo as regras do lugar, e diz que roupas não são permitidas.
Como assim? Nenhum roupa?
Nenhuma!
Nem um biquininho?
Nada!
Ah, mas a gente deve usar um roupão.
Sim, mas ninguém entra de roupão na sauna, nem na piscina, né?
3 segundos de processamento… Respira. Respira de novo, solta o ar devagar. Passado o pânico inicial, paramos pra pensar melhor.
Bom, o que de pior pode acontecer? Se vamos estar nuas, todo mundo vai estar também, certo?
Péra… Mas é um spa só para mulheres?
Não! É misto.
… ! … Será que em todo spa é assim, ou isso é coisa de holandês?
Quer desistir?
Não! Nos vemos em dois dias.
A experiência
Eu me considero uma mulher liberal. Nunca fui muito adepta às normas e convenções sociais, então tentei não pensar muito sobre o assunto. Chegamos lá, recebemos as orientações e fomos ao vestiário.
Nada de cabines individuais. Espaço aberto. Homens e mulheres. Tiramos nossas roupas e vestimos o roupão. Ato mecânico, apenas seguindo o fluxo.
Dali, fomos levadas até a área das saunas e piscinas. Lugar lindo, música suave tocando, tons de azul e verde refletindo a água e dançando nas paredes. E pessoas. Várias delas. Homens, mulheres, alguns de vinte e poucos, outros beirando os noventa anos. Todos nus. Alguns na sauna, outros conversando na beirada da piscina, alguns ainda indecisos sobre onde ir primeiro e apenas passeando por ali.
Confesso que, mesmo como naturista debutante, não me senti muito desconfortável.
Passada a perplexidade inicial, ouso dizer que até me senti muito à vontade em minha própria pele. Ao contrário do que havia imaginado, não era uma sensação estranha.
Achei bonito ver aquelas pessoas ali, interagindo umas com as outras e curtindo o momento sem nenhum traço de constrangimento.
O que vi e senti pode ser traduzido em uma palavra: LIBERDADE.
Cresci ouvindo minha mãe usar a palavra ‘despudorada’ e sempre a associei a algo negativo. Ali, porém, a falta de pudor era algo fascinante.
Ao sentar-me entre outros corpos nus na sauna (dica: se for embarcar em uma experiência como essa, coloque sempre uma toalha onde for se sentar, primeiro para não queimar o popô em saunas que chegam a 70° !!, e também se não quiser despertar a ira de algum holandês - vamos combinar, é uma questão de higiene), entretanto, comecei a pensar em como funcionam as normas sociais em diferentes países e me perguntei se pessoas de diferentes cantos do mundo também se sentiriam à vontade in natura.
Aqui na Holanda, e sei que em outros países europeus, há uma “cultura do corpo livre”, em que a nudez é vista como algo casual, e até como forma de expressão. Muito diferente da cultura do Brasil, onde a nudez geralmente tem caráter sexual, e é vista como algo obsceno.
Por aqui, não é raro vermos as pessoas tirando as roupas em parques públicos para tomar sol apenas com suas roupas íntimas. Sol é coisa rara, e cada raio precisa ser bem aproveitado. É notória a mente aberta dos holandeses em relação aos próprios corpos. Mas e quem vem de fora, será que se adapta facilmente a essa mentalidade?
Conversei com um casal que visitava o spa com certa frequência, e aprendi que as chamadas "saunas nuas" são comuns por aqui. Eles disseram que quando as pessoas vão pela primeira vez tendem a olhar para os outros, mas depois da segunda ou terceira visita isso para, e tudo se torna comum.
O que aprendi com essa experiência?
Que o constrangimento que sentimos a respeito de nossos corpos não é inato. Ele foi aprendido.
Se pararmos para pensar, não é incomum vermos crianças correndo nuas, soltas e livres por lugares públicos como praias e piscinas. Certamente já fizemos isso também.
E quando foi que começamos a sentir vergonha? Quem nos ensinou que devíamos nos sentir assim? E por que essa é uma regra da nossa cultura?
Estar nua em meio a outros corpos nus me trouxe, além da sensação de liberdade, também um sentimento de equidade. Ali, não importava quem tinha mais ou menos dinheiro, quem era alto ou quem estava acima do peso. Éramos iguais.
Ver corpos nus de uma forma não sexualizada nos ensina a enxergar os outros além da aparência física. Ao desnudar tudo, fica mais fácil ver não apenas o corpo, mas também o pessoa que o habita.
Fiquei com a impressão que, se nos habituarmos a ver pessoas nuas e enxergarmos nisso algo natural, não daremos mais tanta importância às aparências.
O que você pensa sobre isso? Já viveu uma experiência parecida? Comente aqui.
Psicóloga, Pedagoga e apaixonada pelo mundo da Educação. Fundadora da myJoy Academy.